quinta-feira, novembro 04, 2010

Lei do Direito Autoral: Novas mídias, novas leis

Depois de adiamentos sucessivos e muita discussão – principalmente entre o Ministério da Cultura (MinC) e as entidades de arrecadação privada - foi lançada, dia 1º de novembro, a consulta pública que ajudará a definir o texto da reforma da Lei de Direitos Autorais. A consulta pública será totalmente online.

“Eu acho que o processo demorou bastante. Poderia ter sido concluído há um ano e meio”, critica Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai). O grupo participa da Rede pela Reforma da Lei de Direito Autoral, que reúne 20 organizações (como CTS-FGV, UNE e Idec).

Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Gpopai
(Foto: Socialismo.org)

Mas se de um lado havia pressão pela aprovação, de outro o MinC também enfrentou resistência das entidades privadas contrárias à mudança. A Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus) diz, por exemplo, que a lei 9.610 é atual e precisa só de retoques.

“Não há porque criminalizar a fruição da nossa cultura. É preciso descobrir como cobrar e remunerar os direitos adequadamente, sem tratar os ouvintes e promotores como inimigos.”
Pena Schmidt, produtor 

Para Pablo Ortellado, a reforma da lei traz avanços importantes, mas poderia trazer mudanças mais ousadas – como a diminuição dos prazos de proteção (que continua a ser de 70 anos) e a regulação do compartilhamento na internet. “Poderíamos aproveitar essa janela de oportunidade”, sugere. “É preciso falar mais em trazer remuneração pela música na internet”, sugere o produtor Pena Schmidt, que, junto de Ortellado, também assina o manifesto pela mudança da LDA. “Não há porque criminalizar a fruição da nossa cultura. É preciso descobrir como cobrar e remunerar os direitos adequadamente, sem tratar os ouvintes e promotores como inimigos.”

>> Entendenda melhor as mudanças na lei AQUI.
>> Entrevista com os músicos Roger e Leoni AQUI

Fonte: Ministério da Cultura

O que muda na nova Lei do Direito Autoral

A principal diferença na nova legislação prevê um espaço para uso amigável e também mais flexibilidade para os autores discutirem prazos e condições de cessão de direitos, além da criação de um Instituto Nacional de Direito Autoral responsável por regular a atuação das entidades privadas. Esse é o ponto mais criticado pelas entidades de arrecadação, que acusam o MinC de estatização. O Ministério prefere definir as mudanças como a “criação da figura de um ‘Estado indutor’”.

Por ser tão restritiva, a legislação anterior, a lei 9.610, de 1998, foi considerada pela ONG Consumers International como a sétima pior do mundo em termos de acesso à educação. Ao pé da letra, a atual LDA proíbe fotocopiar livros para fins educativos, copiar obras para fim de conservação e usar pequenos trechos para remix. A nova legislação deve criar mecanismos para legalizar esses três exemplos.

Samuel Barrichello, coordenador-geral de regulação em dir. autorais do MinC
(Foto: O Povo online)

“A ideia é ter um mecanismo para os autores ficarem mais independentes”, diz Samuel Barrichello, coordenador-geral de regulação em direitos autorais do MinC. Além disso, “a proposta é que 50% do valor da obra vá para o autor”. O Instituto de Direito Autoral não determinará valores, mas definirá regras básicas de atuação das entidades de arrecadação. “É meio obrigatório existir gestão coletiva. Mas esses órgãos precisarão ser registrados no ministério.”

Acesso. A legislação não só deve proteger e garantir que o autor receba por sua criação mas também garantir que o público tenha acesso aos bens culturais – e é esse o ponto criticado pela Consumers International. O novo projeto de lei deverá prever uma série de exceções e limitações para que, por exemplo, seja permitido digitalizar um filme cujo diretor não seja mais localizável. E também regulamentará o remix, a possibilidade de uso de pequenos trechos da obra. “A ideia é criar flexibilidade para que se possa usar uma obra sem infringir os direitos autorais”, diz Barrichello.

Fonte: Ministério da Cultura

Roger e Leoni resolveram usar a Internet a seu favor

Entrevistados por: Monica Marinho

Foto: Monica Marinho
"Faço as músicas para o pessoal ouvir, e como a galera não as consegue pelos meios normais, disponibilizo"

Roger, Ultrage a Rigor

Ele é compositor e vocalista de uma das bandas de rock brasileiras que mais fez sucesso nos anos 80 e uma das poucas da época que se mantém nas paradas de sucesso até hoje. Ele é Roger Rocha Moreira, ou simplesmente o Roger do Ultraje a Rigor. Irreverente, debochado e com letras ousadas como “P*Q*P* Brasil” e “Pelado”, além de hits que marcaram uma geração como “Inútil” e “Rebelde Sem Causa”, o cantor não se mostra muito diferente ao emitir sua opinião a respeito do projeto para as alterações da Lei de Direito Autoral 9.610/98, que descriminaliza a cópia privada, sem finalidade comercial de obras que não constem em catálogo e oficializa mashups musicais. Sobre a primeira parte do novo texto, ele diz:
_ Já é o que eu faço. E os meus discos não estão em catálogo, o que é um absurdo! Mas entendo que é complicado para o lojista manter todos esses discos na loja. Aí entra a internet para resolver o problema. Faço as músicas para o pessoal ouvir, e como a galera não as consegue pelos meios normais, disponibilizo. É uma tentativa de suprir essa falha no mercado. _ declara o roqueiro, que oferece suas músicas em seu site oficial, gratuitamente, através de um link que direciona seus fãs para a página do ReverbNation, um serviço que trabalha sobre o nicho das redes sociais, oferecendo um espaço para que o artista divulgue seu trabalho pela internet. “Inscrito no ReverbNation, você encontrará tanto bandas iniciantes como bandas já conhecidas do público como Living Colour, Nine Inch Nails, Slayer e nós mesmos”, explicou Roger ao site Música Líquida. Mas a concordância de Roger com o pré-projeto de lei pára por aí. Sobre o assunto “oficialização dos mashups”, o paulistano manifesta a sua indignação:

A irreverência sempre foi a marca de Roger (Foto:MonicaMarinho)

_ Aí é oficializar o roubo! Esse negócio do cara gravar um pedaço da minha música e passar pra CD é um absurdo. Quer dizer que posso pegar pedaços de várias músicas clássicas e lançar uma sinfonia? _ ironiza.
Para Roger, a indústria da música tem que se adequar às novas realidades. Idéias não faltam e entre elas está o resgate da antiga cultura dos “compactos” - discos com dois ou quatro hits, com preços bem acessíveis, que serviria principalmente para o lançamento e a divulgação de novas bandas. Outra idéia interessante dada por Roger foi a gravação de um CD, em mp3, com toda a obra do Ultraje, a um preço acessível. Sugestão essa que não foi aproveitada.
_ As gravadoras sabem que é o fim delas. Ainda é incipiente, mas é por pouco tempo. Tem que se adaptar, mas é um processo demorado. Eu sugeri há alguns anos, à minha antiga gravadora, lançar todo o nosso repertório em um só disco, em mp3, mas não houve interesse. Eles têm regras que não podem ‘quebrar’. Mas seria ótimo para combater a pirataria. Você vai lá e comprar toda a obra do Ultraje em um ou dois CDs. E poderia ser vendido quase a preço de custo: 5, 10 reais. Mas não fazem. O cara quer ver a cor do dinheiro. Até a TV está sentindo o baque da Internet. E não são apenas as empresas que são prejudicadas, o artista e a mentalidade do público também. Hoje em dia, ninguém está a fim de apostar na qualidade. O cara quer o retorno rápido. E o que acontece é que o gosto musical está deteriorando muito.
Falando em Informática e mundo virtual, uma das últimas composições de Roger trata justamente desse tema e, pasmem, foi feita para uma criança: a apresentadora Maísa Silva, de 5 anos, do programa Sábado Animado, do SBT, e se chama “Ô, tio!”.
_ Na música é como se ela estivesse ensinando um cara que não sabe mexer no computador. Isso é uma coisa que acontece com a minha geração. _ diz Roger, que é uma exceção. Ele participa ativamente de sites de relacionamentos como o Facebook e usa diariamente o Twitter. Sobre lançamento de novo CD, Roger deixa claro que não tem pressa, mas tranqüiliza os ansiosos fãs:
_ As músicas vão surgindo e vou disponibilizando na internet. Mas é um trabalho bem a longo prazo. Um dia, quando juntar umas 13, a gente pode lançar um CD. O meu trabalho, hoje em dia, se resume mais a fazer show do que compor.


Foto: Fábio Vizzoni

 “ Nós, que pensamos diferente, temos que nos posicionar. Os compositores, os artista, devem parar de reclamar e agir, inventar novos caminhos” Leoni

A discussão sobre o projeto de reforma da Lei do Direito Autoral foi ainda mais ampliada pelo compositor, músico e cantor Carlos Leoni Rodrigues Siqueira Júnior, o Leoni, ex-Kid Abelha e ex-Heróis da Resistência. Com carreira solo desde 1993, ele faz côro com Roger, do Ultraje a Rigor, sobre a primeira parte do novo texto da lei que permite cópias privadas de CD ou DVD, sem fins comerciais, para obras fora de catálogo. Até porque é exatamente o que ele faz em seu site e através do movimento do qual participa, o “Música para Baixar”, sob o mote: “não é pirata, é divulgador” . O intuito do movimento é servir de vitrine para novos trabalhos, disponibilizando-os para o público na Internet, gratuitamente. Dependendo da aceitação e da repercussão, esses trabalhos acabam chegando às rádios e despontando no cenário musical. Leoni dá suas músicas inéditas via web, desde julho de 2008. “Esse ano, vou lançar um CD com essas mesmas músicas porque as pessoas estão pedindo. Então, não atrapalha em nada”, declara Leoni. A seu ver, o internauta que baixa música sem pagar não deveria ser criminalizado, afinal, ele não está ganhando dinheiro com o trabalho dos autores. Nem mesmo a queda na vendagem de CDs e, consequentemente, o golpe no bolso dos compositores, faz Leoni mudar seu discurso. Para ele, não é proibindo as pessoas de baixarem música que vão conseguir obrigá-las a voltar a comprar CD.
_ Elas não vão voltar. Tem sempre uma outra possibilidade de baixar. Tenho um amigo que costuma dizer o seguinte: “Na internet todo cuidado é inútil” _ diz.
Em relação à oficialização de mashups, Leoni vê como desnecessária a criação de uma lei específica, já que não considera este um mercado tão importante, apenas de nicho.

Leoni entra na discussão sem medo de contrariar (Foto cedida)

_ Não vejo as pessoas consumindo mashups como consomem músicas em geral. Se o cara que faz não está ganhando dinheiro com isso, não me importo. Mas se está lucrando, acho justo que ele remunere os autores que fizeram parte daquele trabalho. Mas é complicado controlar. _ questiona.
Leoni sugere que assuntos mais importantes sejam incluídos na lei como, por exemplo o fim da divisão social no que diz respeito ao acesso da população às obras sem que tenham que pagar tão caro por isso.
_ A maioria dos compositores ainda vê o sistema como era antigamente: vender disco e ganhar dinheiro. Tem muita gente que reclama do Ecad e das sociedades que nos representam devido a essa postura muito rígida, mas o que elas fazem é defender o direito dos seus autores. E se os autores dizem que querem ser defendidos dessa forma, isso nunca vai mudar. Por isso, nós, que pensamos diferente, temos que nos posicionar. Os compositores, os artistas, devem parar de reclamar e agir, inventar novos caminhos _ conclui.