terça-feira, fevereiro 05, 2013

Respeito à vida? Respeite a vida!


Local: Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.
Fevereiro de 2013.

Milhares de pessoas vindas de várias partes do Brasil lotam a Rua dos Andradas e ruas próximas. E ainda há mais gente chegando. Haverá um ato contra a falta de respeito à vida. A comoção ainda toma conta dos brasileiros, mesmo um mês após o ocorrido. A perda de 238 jovens, de uma só vez, é doída nos corações de tantos pais, amigos, irmãos... Por empatia, todos nós somos um pouco ente querido de alguém que se foi naquele incêndio na boate Kiss.
Na rua detrás, carros fazem fila, tentando achar uma vaga. Muitos falam ao celular enquanto dirigem; ao mesmo tempo que outros resolvem seu problema de estacionamento parando no espaço reservado para deficientes. Ora, uma ou outra infraçãozinha para quem está indo participar de uma ação nobre não conta, não é?
Um senhor bate-boca com o guarda-municipal que lhe avisa que será multado se continuar estacionado em frente à garagem de uma residência. Vendo que a discussão não levará a lugar nenhum, muito menos a uma outra vaga tão cômoda e próxima ao evento, tenta convencer o funcionário, que ganha tão pouco, a aceitar sua oferta financeira. A troca lhe parece justa: poder estacionar seu Audi por uma "cegueira" temporária do guardinha.
Ali perto, no posto de gasolina, um menino de três anos, ajoelhado no banco de trás do carro de uma mulher que fuma sem parar ao volante, observa, pela janela, o rapaz da moto, que aguarda sua vez logo atrás da fila, ajeitar o capacete que carrega no braço e não na cabeça. Todos vestem sua camiseta com a inscrição: "Respeito à vida!".
Em cada esquina, os discursos são inflamados. As opiniões convergem numa mesma direção sobre o caso da boate Kiss: os culpados devem ser punidos com rigor. Ninguém discorda sobre isso. Alguns, mais exaltados, falam até em "pena de morte". Uma senhora, a mais indignada da roda de amigos, pede licença para atender o celular. Após ouvir atentamente a ligação, responde: "Isto deve ser gripe. Pega um Benegripe na minha bolsinha de remédios e dá pra ele. Se tiver dor de garganta, procura aí na bolsinha que também deve ter algum remedinho. Sou muito prevenida!". Finda a ligação, retoma seu lugar na conversa, defendendo sua posição dentro dos "rigores da lei".
Um vereador da cidade também se prepara para participar do ato. Já tem lugar reservado ao lado do Prefeito que, por sua vez, tem vaga cativa ao lado do governador que, por sua vez, já avisou que não sairá do lado da presidenta, por nada. Afinal, Santa Maria nunca viu tanto jornalista, fotógrafo e cinegrafista juntos. O tal vereador, antes de sair de casa, faz uns ajustes finais em três projetos que apresentará à Câmara. Um proíbe a venda de artefatos pirotécnicos na cidade, outro muda o nome da Rua dos Andradas para Rua dos 238, e o terceiro cria uma multa "gorda" para donos de casa noturna que usam comanda.
O evento aconteceu em meio a muitas lágrimas, gritos de ordem e promessas de políticos presentes. Tudo amplamente divulgado, inclusive por mídias internacionais. Nenhum sinistro grave fora registrado, a não ser um engavetamento sem grandes proporções, causado por um homem que falava ao celular; o reboque de um Audi que impedia uma mulher de ser levada ao hospital para fazer sua quimioterapia semanal; e o corte na cabeça de um menininho, que se feriu após sua mãe frear bruscamente quando o capacete de um motoqueiro, sabe-se lá como, apareceu de repente na frente do seu carro. O menininho, por não estar na cadeirinha, acabou indo parar com a cabeça no painel do carro. Mas nada grave.
Nada grave mesmo, diante do que poderia ter acontecido no posto de gasolina quando o frentista, mesmo sendo xingado, pediu que uma mulher apagasse seu cigarro enquanto ele abastecia seu carro. Nada grave de fato, graças à "teimosia boba" de um rapaz que insistiu em passar por uma avaliação médica antes de tomar um benegripe e ser diagnosticado com dengue.
Bem, fora isso, o ato contra a falta de respeito à vida foi um sucesso!

P.S.: Lógico que o texto acima é ficcional, mas serve para que cada um, com seus discursos inflamados e dedos em riste prontos para condenar, SE avalie e SE pergunte: "Será que eu respeito a vida do próximo"? Pequenos gestos podem não dar em nada, mas também podem salvar uma ou muitas vidas. Faça a sua parte, ainda que te chamem de "chato (a)".